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Semblantes

Posted by Machado on 11:51
Ele gostava dela. Mostrava-se distante, impossível, mas gostava dela. Dizia que ela precisava se alimentar melhor, praticar algum esporte, aprender a dançar, alguma coisa que a tirasse daquele vício por perfeição, por sucesso, alguma coisa que o acalmasse enquanto a possibilidade de ela crescer em um ritmo mais acelerado que ele, e assim, ele não pudesse mais alcançá-la.
Ele criticava seus atrasos, mas adorava vê-la correr desajeitada para não perder o ônibus. Tentava interferir em seus hábitos alimentares: “Você não deveria comer essas coisas esquisitas. Você come muita mostarda, muita pimenta. Você bebe muita Coca-Cola”, mas admirava a forma que aquela mulher sentava à mesa.
Ele pedia que ela falasse menos, e o beijasse mais, mas se surpreendia com as coisas que falava aquela mulher, e como ela gesticulava, e como não parava de falar. Ele reclamava do lápis pontiagudo que ela deslizava por seu olho, e do tempo que isso demandava, mas em segredo, gostava quando se pintava apressada frente ao espelho, deixando sempre o rosto mais claro que o colo.
Ele a amava, mas resolveu corrigir os problemas de pontuação de uma carta que ela escrevera, para esconder sua emoção ao ler aquelas palavras; para esconder que realmente gostava dela; para esconder seu medo de assumir que ela encontrou o que ele tanto escondeu, que ela o encontrou.

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